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CAMPO & CIDADE

Schoreder do Paulo e Dona Guisela

Rodaram 45 anos. Isso mesmo, quatro décadas e meia, um senhor tempo argui Paulo Jhan não sem esconder um largo sorriso. Do alto de
suas noventa primaveras goza de boa saúde o lavrador. Ah, e também em priscas eras pecuarista, e dos bons. Faz questão ressaltar as qualidades de seu gado leiteiro. Rebanho registrado.

Dona Guisela, fiel escudeira, companheira de jornada, aparece.Passos lentos, porém, seguros. Olhar sereno de quem colheu uvas a vida inteira.

Cismo cá com meus botões:

- Que casal maravilhoso! Doçura de gente! Acolhedores por excelência.

Como estagiário da antiga ACARESC, por quinze dias estivemos no sítio; daí, boas as recordações. Cortar capim branco na várzea, beira
d’água. Roçar soca de arrozeira. Ah, e o imprevisto: tombar a tobata na lagoa. Tremenda mancada. Embora minha apreensão - Paulo como boa gente -, apenas ponderou:

- Ainda bem que saíste ileso. Máquina a gente dá um jeito.

Retornávamos à singela Schroeder para palestrar. CEASA, a bola de vez. Juntamente com o colega Cássio da Epagri - na sobra tempo, final de tarde, -, batemos às portas do casal amigo: Paulo e Guisela. Reencontrá- los, que grata surpresa. E fortes, embora quase centenários, melhor ainda.

Localizar o sítio, um desafio. A família adquiriu uma outra propriedade nas proximidades. Mas como Paulinho, assim é conhecido, e
mais ainda reconhecido. Ah, responde o simpático frentista por quem buscamos referências. Ah, o Paulinho, aquele bom de prosa, mais popular que pastor. Sigam em frente. É logo ali, acesso bordejado de palmeiras. E não deu outra. Frondosas e floridas palmeiras reais balançavam a folharada. Batiam palmas. Vento frio. Prenúncio de inverno.

Schroeder, terra abençoada. Ali muito se trabalha, percebe-se isso em todo canto. Empresas à vista. Galpões avantajados. Placas anunciando empregos. Belos jardins. Ruas arborizadas. Se a Schroeder industrial e comercial é pujante, o campo - a raiz de tudo -, ainda conserva traços de originalidades: bananais bem cuidados. Arrozeiras. E, no momento, com ímpeto, surge o turismo, em especial o turismo rural. Atratividades da mãe-natureza à vista.

Ao largo, nas cercanias, montanhas cobertas de densa floresta desenham ferraduras verdes. Mananciais cristalinos reinventam corredeiras. Crescente das águas. Cascatas. Ricardo Negreiros, colega de extensão rural afirmava:

-“Em Schroeder chove todo o santo, mesmo que seja uma garoazinha lá nas quebradas da serra”.

Dona Guisela não perde a vazada, rapidamente prepara um bom café. Pão colonial, salame, queijo, manteiga e geleia. E emenda:

- Sempre perguntávamos por ti, por onde andavas?

- Cidadão do mundo, dona Guisela. Rodado, mas firme. Bom demais estar aqui.

Pergunto pela tobata. A velha tobata. Aquela da lambança.

- Está no rancho, responde Paulo. É a mesma. Ao lado do casal batemos fotos, registro para a posteridade. Pasmem! Quarenta e cinco anos depois e ainda na lida. Coisa de japonês, pondera Cássio.

Pergunto pelo Eliziário Tomazelli, outro agricultor que acolheu estagiário, o Eduardo. Aposentando, responde Paulo. Com o colega Wilson
Mondini, no final da tarde fazíamos mutirões para cortar o que sobrava de arroz na beirada dos tapumes. Cantos onde a colheitadeira não chegava. A pressa: tudo por conta de uma bodega na vizinhança. Ao som do violão companheiro cantorias nunca faltavam. Eliziário servirá o exército no Rio de Janeiro. Bom de prosa. Personalidade cativante. Tiradas na ponta da língua.

A prosa foi longe. Dona Guisela informa que é natural de Indaial, e, como filha de tropeiro, se mudou onze vezes com a família. Três das quais residiram em Schroeder onde conheceu o Paulo. Há cerca de quinze dias – um feito e tanto -, comemoram setenta anos de casamento.

Paulo faz questão de ressaltar que no início o casal amansava cavalos xucros, preparando-os para lavrar o campo ou puxar carroça. Tarefa de ambos, pois Guisela aprendera o ofício com o pai, famoso tropeiro. Cena hilária, evocam. Ambos encima de uma carroça com os cavalos em fase de doma. Ziguezagueavam estrada afora. Dona Guisela faz questão de ressaltar:

- Ainda bem que naquela época não havia viaturas nas vielas.

Apenas escassos cavaleiros. Divertida, mas perigosa a empreitada. Enfatiza com uma ponta de orgulho: em duas semanas a parelha estava
pronta para a lida. A tropa provinha das bandas de Indaial. O cavalo, a máquina de então. Uma parelha fazia toda a diferença na propriedade.
Paulo e Guisela expressam um certo desconforto em razão do avanço da cidade. Urbanização desordenada. E, sobretudo, questionamentos sobre a presença de animais. Criações. Ora nossas vaquinhas! O que seria de nós sem elas. Ainda restam duas. Sossegadas, pastejam ao lado. Xodó do casal, percebe-se.

E por fim, Paulo, bem humorado, cutuca:

- Ora, dizer que minhas arrozeiras eram um criadouro de sapos. Eu, heim! ouvir isso de um jovem agrônomo. Gargalhada geral, e das boas.

Naquele momento afloraram em minha mente as sábias palavras do grande poeta português Fernando Pessoa: “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis, e pessoas incomparáveis”.

Paulo e Dona Guisela, por Deus, reencontrá-los, e de bem com a vida, bom demais. Alvissaras!

Grato pelo café e pela boa prosa. Inté mais.

 
Joinville, 30 maio de 2024

Onévio Zabot

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